21/05/2008

45. Viu Manent (vinhos)

Terça à noite, duas opções de programa: secar aquele timinho da marginal Tietê pela Copa do Brasil ou secar umas taças na degustação de 14 vinhos de uma vinícola chilena no Cantaloup. Bem, não foi difícil escolher. E quando saí da degustação, à 1h da madrugada, ainda soube que o timinho tinha perdido. Viver bem realmente é a melhor vingança.
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Viu Manent é uma vinícola diferenciada, apesar daquele começo comum a muitas outras casas chilenas que hoje têm grande ou médio porte. Nasceu engarrafando uva de terceiros, passou a produzir vinhos de mesa (nada saudosos, época em que a marca ficou conhecida em todo o Chile pelo slogan "!Salud, com vinos Viu!") e embarcou, na virada dos 80 para os 90, na onda da mudança que varreu produtores do país. "No começo, foi uma aposta tecnológica, que logo virou uma aposta filosófica", diz o diretor-gerente da Viu Manent, Jose Miguel Viu, que esteve em São Paulo para a degustação.
A frase de Jose Miguel diz muito. As vinícolas chilenas que perceberam ser necessário mudar (para melhor) ou morrer investiram, invariavelmente, em tecnologia. Isso elevou a qualidade do vinho, mas muitas vezes direcionou a produção às necessidades de mercado -- leia-se produzir bons vinhos, sim, mas sempre atrás de atender o freguês, limitando o risco, a ousadia, a surpresa, o portfólio.
Na Viu Manent, a produção anual é baixa, bate 160 mil caixas, em contrapartida o portfólio é extenso para o porte da empresa: 22 rótulos. Um pouco menos de 8% do total produzido é vendido no Brasil pela importadora Hannover há oito anos. Somos o quinto maior mercado da Viu Manent. O maior é o americano. O mais importante, o europeu. Os mais pulsantes, hoje, China e Coréia.
Quando Jose Miguel fala de aposta filosófica ele quer, em sua casa, o risco. Ou, como explicou seu enólogo-chefe, Juan Pablo Lecaros, "sempre buscamos a qualidade, claro, só que o que mais buscamos não são apenas grandes vinhos, mas vinhos diferentes". Encontrar gente assim já vale como lição de vida profissional.
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Resumo
Foram 4 brancos, 10 tintos e 1 de sobremesa. Na mesa em que estava, uma constatação quase unânime: eles são muito bons nos tintos, nem tanto nos brancos. Eu gostei mais de 4 dos 10 tintos (40%) e de 1 dos 4 brancos (10%). Nos tintos, ficaria com os que têm na base cabernet sauvignon (o Reserva) e, sem dúvida, com os dois da linha Single Vineyard degustados (um cabernet e um malbec), além do premium Viu 1. O branco que levaria é o Viognier.

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BRANCOS
1. Sauvignon Blanc Reserva 2007
Ligeiro e alcoólico (13º), 100% sauvignon blanc. Vinho do Valle Leyda, que recebe mais influência marinha e deixa este branco mineral. Vai melhor com pratos leves, sem molhos inventivos ou sabores marcados. ST 6.0/10.0
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2. Sauvignon Blanc Secreto 2007
Na Viu Manent, a linha Secreto traz obrigatoriamente 15% dos vinhos feitos com uvas que eles mantêm em segredo. Gosto desse tipo de brincadeira. Aqui, 85% sauvignon blanc + 15%... segredo (13,6º de álcool). De vinhedos do Valle Casablanca, mas menos mineral que o Reserva, e de menor acidez. Para petiscos despretensiosos ou frutos do mar, vale até para acompanhar frutas. ST 6.0/10.0
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3. Viognier Secreto 2007
Vamos lá: 85% viognier + 15% de uvas desconhecidas. Acidez sob controle, muita fruta (lima, abacaxi), mas sem ser 'doce', ele também mostra bem mais taninos. Tem mais presença em boca que os dois primeiros e bem mais álcool: 14,7º. Um prato agridoce é sua companhia ideal. ST 7.0/10.0
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4. Chardonnay Reserva 2007
Talvez entre nesta avaliação, claro, minha preferência: sou mais chardonnay (que, normalmente, tem mais corpo, mais presença) que sauvignon blanc (mais frescos e suaves). Este 100% chardonnay é um vinho de mais corpo, até por sua passagem de 7 meses por madeira (1/3 barricas novas), com 14,7% de álcool. De vinhedos do Valle Casablanca, mas de uma área não tão próxima do Oceano, o que torna o vinho menos mineral, com mais fruta e menos acidez. Depois de 10 minutos da primeira prova, o vinho preencheu mais, cresceu. ST 7.0/10.0
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TINTOS
Linha Reserva. Todos chegarão ao mercado entre 90 e 120 dias -- fim de agosto e começo de outubro. Na Viu Manent, essa linha traz vinhos 100% varietais (uma cepa apenas) com passagem de 10 a 14 meses por barricas (40% novas, 85% a 90% delas de carvalho francês).
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1. Merlot Reserva 2006
Como diz Lecaros, o enólogo da vinícola chilena, merlot é uva manhosa no preparo. Qualquer deslize, ou oscilação natural, e pornto: o vinho está mais doce, muito tânico, com pouca acidez, ou zero persitência. Não é o caso deste, que tem muita fruta vermelha, corpo médio, taninos suaves e permanência média na boca. (Álcool: 14,7%, 14 meses de barrica). ST 6.0/10.0
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2. Carmenere Reserva 2006
Carmenere é aquela uva da qual quem provou uma vez sempre se lembrará. Aroma e sabor característicos. Dificilmente os produtores tentarão trair seus adeptos. E aqui isso é pecado. Um vinho correto. (Álcool: 14,6%, 11 meses de barrica). ST 5.5/10.0
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3. Malbec Reserva 2006
Existe uma fixação da Viu Manent com a uva malbec. Ela é base do premium da casa (o Viu 1, veja abaixo) e motivo da incursão deles à Argentina -- a vinícola comprou vinhedos em Mendonza para trabalhar com a uva. No Chile, de onde sai este Reserva, parte dos vinhedos mais tradicionais da grife são de malbec. E deles sai um vinho de baixos taninos e muita fruta, mas tudo sob controle, de muito bom gosto. (Álcool: 14,4%, 14 meses de barrica). ST 6.0/10.0
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4. Cabernet Sauvignon Reserva 2005
Muita gente andou de pirraça com a cabernet. Na base dos melhores bordeaux, no novo mundo ela explodiu em rótulos varietais de muito corpo e muita fruta, o que causou certa decepção aos puristas. Esqueçam generalizações. Há cabernets e cabernets. E os chilneos sabem o que fazem quando mexem com esta uva. Melhor Reserva da noite. Tanino, fruta e corpo na medida ideal. (Álcool: 14,1%, 14 meses de barrica). ST 7.5/10.0
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Linha Secreto. Nesta linha, a Viu Manent adota princípios de qualidade de um reserva, mas com toques de modernidade. Passam menos tempo em barricas (de 7 a 9 meses, 90% barricas novas) e têm 85% da uva que vai no rótulo, o outros 15% podem ser de várias cepas, até de uvas brancas.
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5. Carmenere Secreto 2006
Bordô intenso, tem mais fruta e menos nariz que o Reserva. Numa segunda boca, sai um pouco da fruta e ele fica mais complexo. (Álcool: 14,8%, 7 meses de barrica). ST 6.0/10.0
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6. Malbec Secreto 2006
Novamente a comparação com o Reserva mostra um vinho mais fácil de digerir, menos intenso que o Reserva Malbec. (Álcool: 14,4%, 7 meses de barrica). ST 6.0/10.0
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7. Syrah Secreto 2006
Tem fruta presente, mas não marcada. É um rótulo de vinhedos jovens -- 9 anos, em média (segundo o enólogo), ou 7 anos, em média (segundo o site). Para quem busca um syrah diferenciado, não tão australiano (marcado). Da linha Secreto, foi o de que mais gostei. (Álcool: 14,6%, 7 meses de barrica). ST 6.5/10.0
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Linha Single Vineyard. Nesta linha, os vinhos ficam de 11 a 14 meses em barricas, 80% a 90% delas novas. São feitas colheitas manuais em parcelas bem restritas de vinhedos específicos. Rendem vinhos que agüentam guarda superior a cinco anos.
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8. Cabernet Sauvignon Single Vineyard 2005
Imediatamente se nota que não se trata de um cabernet comum -- o que remete à promessa do enólogo Lecaros ("mais que grandes vinhos, buscamos vinhos diferentes"). As uvas vêm do Valle Colchagua, de uma pequena região chamada La Capilla, dos lotes 1, 2 e 3. A baixíssima densidade já antecipa que pode vir dali um grande vinho. E vem. Com 87% cabernet e 13% malbec, tem ótima permanência, preenche toda a boca. Vinho para pratos untuosos, se preciso. E que promete crescer ainda muito em garrafa. A melhor das safras desta linha cabernet é a 2004. Provamos a 2005, que estava maravilhosa. (Álcool: 14,3%, 14 meses de barrica). ST 8.0/10.0
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9. Malbec Single Vineyard 2006
Este vem da região chamada San Carlos, de duas pequenas áreas cultivadas com baixa densidade. Também mostrou potencial de crescimento. Nesta safra, 93% malbec e 7% cabernet. (Álcool: 14,7%, 12 meses de barrica). ST 7.0/10.0
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Linha Viu 1 (Uno). É o premium da Viu Manent. A idéia era fazer o vinho top da casa em safras muitíssimos especiais. O primeiro é de 1999. Depois vieram 2001, 2003, 2004, 2005 e 2006. Produção limitada (perto de 11 mil garrafas/ano, com exceção da safra 2005, que não chegou a 5 mil garrafas), eles passam de 18 a 24 meses em barricas. Em 2003 e 2004 foi eleito o segundo melhor premium chileno. Inicialmente, deveria existir o Viu 2, o Viu 3, assim como a composição variaria ano a ano. Isso não fosse a fixação, já falada neste post, da vinícola pela malbec. O nome tornou-se Viu 1 para todas as safras e a malbec carrega o vinho -- a composição varia entre 88% e 98% de malbec e o restante cabernet sauvignon.
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10. Viu 1 2006
São 11,3 mil garrafas, 20 meses de barrica, 94% malbec e um vinho ótimo, que tem muito ainda a crescer. (Álcool, 14,8%) Compre e guarde. Compre e sirva. Decante sempre. O produtor diz que agüenta fácil até 2016. Vale apostar, pois me pareceu que ele ficará ainda melhor daqui um tempo. ST 8.0/10.0
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Encerramos a noite com um late harvest Semillon que passa 7 meses em barrica e tem 11,5% de álcool. Foi perfeito com terrine de foie gras na entrada, mais do que com o doce da saída.

18/05/2008

44. Espaço Tambiú

Despretensiosa. Essa palavra resume a casa. E isso é elogio. Amigo bom de faro, de garfo e de copo, André Nigri indicou. Fui com signora P no sábado, 17. Pedimos de entrada costela de pacu com pimenta e caldinho de peixe. Depois, ela foi de mugica de pintado (cubos de posta de peixe com moqueca, mandioca e cebola) e eu de bracciola de pintado (com cogumelos, brócolis, castanha e damasco). O chef Pingo é de Corumbá (MT) e elabora pratos com a pegada de sua cidade, é orgulhoso de suas raízes. O dono é de São Paulo mesmo, e vai duplicar o horário de atendimento da casa (hoje, 5 períodos: jantares de quarta a sexta e almoço aos sábados e domingos; passará a 10 períodos: jantares de terça a sexta e almoços de terça a domingo). Tem peixe frito a partir de 20 reais e vinho a partir de 21 reais. Único senão: a despeito do maravilhoso pirão e do maravilhoso arroz com castanhas, menos molho deixaria aparecer mais o sabor dos peixes.
* Espaço Tambiú. Rua Diana, 381, tel. 3801.2793.

43. Cadê o Frango?

Sei lá quanto tempo atrás, mas não muito, o Pirajá -- tradicional bar de um tradicional grupo de donos de bares e pizzarias em São Paulo -- passou a abrir para almoço. Opção excelente para quem tá pros lados de Pinheiros. Já fui lá quatro vezes, nas quatros atrás do Frango de Leite. Achei uma só. Então nem vou avaliar os demais pratos -- todos mais ou menos. Mas pô!, não se oferece um Franguinho que você não tem condições de manter no cardápio para 75% das visitas.

42. Acarajé na Rota

Anote: "a" Santa Cecília vai ser "o" lugar. Bairro dos mais tradicionais da cidade, encostado em Higienópolis, tem algo que este seu vizinho não tem: autenticidade. Estar em Higienópolis é como estar em um laboratório: você sabe que é limpo (ok, esqueça os cocôs de cachorro), você sabe que é seguro e você sabe que é chato e não vê a hora de sair de lá. Bem, Santa Cecília é o vizinho pobre, de menos glamour, mas com muito mais vida. Dois quarteirões ajudam a resumir a nova Santa Cecília. O quadrilátero entre Jaguaribe, Martim Francisco, Imaculada Conceição e Barão de Tatuí. São 5 endereços que valem sua avaliação.
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1. Bacalhoaria Chiappetta
Chiappetta é sinônimo de tradição em alimentos em São Paulo. Coisa daquela italianada que tomou conta da Zona Cerealista do Brás, no começo do século passado, e de qual parte migrou para o Mercadão Municipal -- aliás, nunca diga "Mercado Público", que é coisa de gaúcho, não de paulista. É legal saber que a família investiu num casarão tradicional para fazer este restaurante, mas a cozinha é menor que o nome e o bacalhau é no máximo correto -- o que não é pouco. Por isso vale a visita, assim como vale ver o jogo de um time de tradição mesmo sem que ele esteja no melhor de sua fase.
* R. Martim Francisco, 427, tel. 3826.3033. Terça a sábado (10h às 22h); domingo (10h às 17h). Fecha segunda.
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2. Le Tire Bouchon
É único. Isso significa que poucos cantos em São Paulo se parecem com o Le Tire Bouchon, o que já é mérito e tanto. O dono é francês e a oferta de vinhos da loja demonstra o patriotismo. Aberto em novembro de 2005 como casa de vinhos, a loja ganhou bar à vin e um minúsculo (e lindo) restaurante no subsolo. O único inconveniente é a escada. Para descer, tudo bem, mas depois do jantar você vai pensar que deveria ter bebido uma ou duas taças a menos. Esqueça isso e vá. No bar à vin, você pode pedir umas bruschettas ou polenta com gorgonzola e cogumelos e ficar num dos vinhos da loja -- não está a fim de vinho?, beleza, peça cerveja. Mas não deixe de ir um dia para jantar. Peça sem medo o menu da noite, escolha uma garrafa da loja e saia de lá decidido de que Santa Cecília é o melhor bairro da cidade.
* R. Barão de Tatuí, 285, tel. 3822.0515.
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3. Club da Cana
Cachaçaria de primeira. Se você quer impressionar, ver ou ser visto, paquerar, não sei qual cachaçaria indicar. Mas se você quer cachaça, é esta. Centenas e centenas de rótulos. Ali você pode pedir petiscos, pedir um prato, pedir garrafa, pedir várias para degustar. Pode pedir água ou cerveja. Não importa sua pedida, sairá de lá mais entendedor de cachaça do que entrou.
* R. Barão de Tatuí, 271, tel. 3663.1171. De terça a sbaádo, até o último cliente. Domingo, até 22h. Fecha segunda.
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4. Fuad, ou Esquina Grill
Tradicionalíssimo, existe desde 1966. Cerveja e petiscos. Ou para matar a fome na madrugada -- tem um dos melhores picadinhos de São Paulo. Vá de turma, é a cara dali. Cadeira de plástico, mesa de lata, alguns pedintes na calçada. Para equilibrar o jogo, garçons ligadíssimos e aquele picadinho que paga/apaga tudo.
* R. Martim Francisco, esquina com Imaculada Conceição. Abre todo dia, fecha tarde pra caraca.
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5. Rota do Acarajé
Por fim, o motivo que me levou ao post. Este lugar a cada dia se transforma no endereço dos moderninhos e descolados (ainda se usam essas expressões?). A pegada é o acarajé. Vem sequinho, o que entendo como mérito, e o bar tem ainda outras opções "baianas" ou "nordestinas". Vou ser sincero, acarajé para mim exige o talento culinário de um fritador de pastel: ficou seco, ok. Por isso, prefiro outras porções e as cervejas. Apareça e diga que conheceu ali antes dos 'culegas' da firma. Quer motivo mais nobre? Marque o próximo encontro na Rota e passe horas mais que agradáveis com amigos de verdade.
* R. Martim Francisco, 529/533, tel. 3668.6222. Terça a sábado até 23h30 e domingo até 22h. Fecha segunda.